A Viagem de Omar
Por Luisa Lopes
Os primeiros
raios de sol surgiam no horizonte. Já acordara cansado, depois de uma curta
noite de sono. Dália não saía de seu pensamento, seu corpo prateado
dançando como uma deusa em seus sonhos. A imagem dessa mulher parecia tão
distante agora para Omar, que dentro de um quarto mofado em um prédio antigo no
bairro da Liberdade, lembrava-se do passado não muito longínquo na cidade de
Manaus, das noites nos clubes grã-finos e nos lupanares, dos olhares e afagos
das mulheres. Agora, a solidão o dominava, consumindo suas energias, aliada à
inveja da nova vida que seu irmão Yaqub vivia.
Já havia
passado três meses desde que ele se mudara para aquela triste pensão, naquela
cidade que não fazia parte de sua história. Sair do conforto de Manaus e dos
braços de sua mãe foi doloroso, mas o pior veio depois: ver seu irmão bem
sucedido, casado com a mulher pela qual era apaixonado desde a infância, Lívia.
O ciúme se mesclava com o ódio, cegando o jovem, antes tão altivo e cheio de
si.
Omar não
aguentava mais a vida em São Paulo. A tentativa de sua mãe de fazê-lo tomar um
rumo, de se reconciliar com o irmão, de ter um diploma, tudo foi em vão. O
Caçula desprezava tudo que trouxesse uma estabilidade: queria aventuras que lhe
dessem prazer, queria sentir emoção em cada instante da vida- e foi nessa manhã do dia 15 de novembro, Dia
da Proclamação da República, que Omar decidiu deixar sua pátria.
Lembrou-se das
economias do irmão e de suas viagens para o exterior, das quais este tanto se
gabava. Com Yaqub e Lívia viajando, Omar entrou no apartamento dos dois com a
ajuda da empregada, que seduzida por seus agrados, cedeu aos encantos do jovem
e ajudou o Caçula com sua trama. Entrou como um furacão, em busca de qualquer
coisa que o fizesse sair da prisão que era sua vida. Vasculhou tudo e ao entrar
no quarto, viu as fotos do casamento e das viagens que invejava. O ódio lhe
embrulhava o estômago. Pegou o passaporte, abriu o armário do gêmeo e roubou
duas camisas de linho e uma gravata. Enfurecido, abria as gavetas, jogava os
livros da faculdade no chão até que um deles, ao se abrir no trajeto da estante
até o piso de madeira do quarto, lançou no ar diversas notas de dólar. Recolheu-as
do chão, ofegante, sem nem contar o quanto havia. De volta à pensão em que
morava, arrumou uma maleta às pressas, levando apenas o básico para alguns dias.
Carecia de aventura, o que estava decido que não encontraria nem em Manaus, nem
em São Paulo.
Poucas horas
depois que deixou sua casa na rua Tamandaré, Omar se viu na poltrona de um avião,
decolando para o tão desejado desconhecido. Ele nunca havia imaginado que um
dia uma grande máquina como aquela, que antes lhe causava medo e angústia,
traria uma sensação de liberdade. Quanto mais alto, mais próximo das nuvens
ficava e mais longe do chão, dos carros, dos edifícios, das pessoas- de seu
passado.
O Caçula não
conseguia acreditar em seus próprios olhos quando desembarcou na famosa Miami.
A modernização deixava a grande São Paulo parecer muito atrasada: não era só a
cidade que parecia mais civilizada, mas também as pessoas. Luzes coloridas
indicavam os clubes e cassinos, atraindo o olhar do jovem como sua mãe atraia. Omar
finalmente parecia ter se encontrado, tudo aquilo que sempre desejou a seu
alcance. Já no primeiro dia entrou em um clube, comprou bebidas caras que nunca
sequer tinha visto no Brasil e ficou sentado apenas admirando a beleza das
mulheres que via. Ao contrário de Manaus, não via uma perna morena, um rosto de
índia, nem um corpo dançando ao som do batuque. As jovens louras andavam cheias
de si, outras apenas observando o ambiente sentadas próximas ao balcão tomando
bebidas finas. No início, o jovem sentiu uma mistura de admiração e intimidação
por uma das que o olhava de longe. Mas já conhecemos o Caçula: por mais que não
soubesse uma palavra da língua inglesa, sabia uma língua universal- a do olhar
e da sedução. Seus encantos atraiam qualquer uma ao redor.
E foi assim
que Omar passou seus dias nos Estados Unidos, cada dia em um clube diferente,
pulando de cama em cama, como já era de costume. Conduzia-se pelo acaso,
buscando o lado fantasioso da vida. Decidiu então escrever para a família um
cartão postal de cada lugar que passasse. Escreveu de Miami, depois de Tampa, Mobile,
Nova Orleans, Louisiana e Mississippi, contando suas peripécias em cada uma das
cidades e estados americanos. Mas percebeu que o que sentia falta era da rede
vermelha e da companhia de Zana, que nenhuma outra mulher poderia suprir.
Depois de
vários meses, com o dinheiro que roubara do irmão acabando e a saudades da sua
terra natal, não lhe restara outra opção a não ser voltar para o Brasil. Sentiria
falta dos Estados Unidos? Com certeza, mas como dizia seu pai, nem santo nem
cidade conseguiria dar jeito no menino, poderia continuar suas farras em
Manaus.
No avião de
volta, o Caçula nem estranhava mais as novidades trazidas pela modernização. O
que lhe incomodava, pela primeira vez, era o medo de voltar. Voltar para os
braços da irmã, para os cuidados da mãe, para a indiferença do pai. Olhou para
as nuvens abaixo e se assustou com a imagem que viu: seu próprio reflexo na
janela. Não se reconhecia. Os traços antes tão joviais pareciam mais sérios e o
rosto, antes trazendo festa e alegria, mostrava um homem cansado da mesmice.
Aquilo o assustou: não era Omar que voltava para casa. Era Yaqub.
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